quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

"ÉS MESTRE EM ISRAEL E NÃO SABES ESTAS COISAS?"



Não pretendia escrever sobre o juiz e a agente de trânsito. Lembro muito bem o conselho de um velho político pé vermelho (gente do Norte do Paraná): "nunca brigue com as pessoas que usam saias". À parte o machismo da época, o conselho também está desatualizado quanto aos usos. As mulheres substituíram as saias pelas pantalonas; os padres, suas batinas por jeans; e os juízes apenas jogam um pano preto de seda nas costas nos momentos mais formais. Na época, o dito servia; e o dizente explicava: "senão poderá ter das mulheres o desprezo, dos padres a excomunhão e dos juízes a prisão".
Bem, daí, surgiu outro caso, este envolvendo um juiz e agentes de embarque. Não consegui me furtar a conjecturas. A tentar divisar o cerne da questão; o móvel que tem a capacidade de retirar os magistrados de suas posturas recatadas e lançá-los na utilização de suas meritíssimas autoridades em causa própria. E tal só pode ser um: o desnudamento. Desnudar alguém deve ser um dos atos mais violentos possíveis. No caso de um rei, torna-se um ato de lesa-majestade. E o maior sofrimento é que a vítima fica nua ante si mesma, antes de o ficar para os outros.
Existe um princípio jurídico universalmente aceito de que a ninguém é facultado alegar ignorância da lei. Claro, se fosse isto possível, nenhum sistema jurídico se sustentaria, pois bastaria ao flagrado em adultério alegar que não sabia estar cometendo um pecado. Os juízes são, em nossa sociedade, justamente as autoridades encarregadas de fazer valer este princípio, e de punir adequadamente quem infringir as leis, sem comiseração pela eventual ignorância do réu. Deve ser, portanto, mais doloroso a eles que aos demais o serem flagrados na infringência desta máxima.
E, não residiu aí a condenação da brava agente de trânsito? Um juiz foi pego em uma blitz com o carro sem placas e sem documentos. Em sua defesa, alegou que nem sabia quanto tempo tinha para regularizar a documentação ao comprar um carro. Bem, a pobre moça, certamente boa cristã, altercou como o mais festejado avatar de nossa civilização ocidental o fizera: "O senhor é juiz e não conhece a lei?". No caso dos agentes de embarque não foi diferente. Nem houve necessidade de qualquer observação dos rapazes. Certamente, ante a insistência do cidadão à sua frente em embarcar atrasado num vôo, lançaram-lhe um olhar tal que o magistrado sentiu caírem-lhe uma a uma as peças da arrogância com que se vestem tais pessoas.
Mas, de tudo isto, aprendemos que o progresso se faz, a despeito de não o notarmos. Jesus, por desnudar os doutores da lei de seu tempo foi torturado e morto por crucificação. Nossa jovem agente de trânsito apenas foi multada em cinco mil reais; e os humildes rapazes do balcão do aeroporto pagaram algumas horas de delegacia.

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