quinta-feira, 29 de março de 2012

O CATÃO DE CALÇAS CURTAS

Não se sabe ao certo a origem da expressão "foi pego de calças curtas".
Talvez se refira à infância, num tempo e lugar onde os meninos eram obrigados a usarem calças curtas até ao início da puberdade, quando então se lhes premiavam com calças compridas. Como a criança se defende da opressão dos adultos dissimulando, escondendo e muitas vezes mentindo, ao flagrarem um adulto agindo assim, passaram a dizer que ele fora pego de calças curtas. Uma expressão humilhante, pois, o que é engraçadinho num menino, torna-se patético num adulto.
Outros dizem que a expressão tem origem no fato de que as roupas de baixo são curtas; então, o pobre coitado é pego antes que tenha tempo de levantar as calças. Tudo indica que a expressão se referia, ao menos na sua origem, aos homens, os cuidadores, nos tempos idos, dos espaços externos e seus adendos.
Acredito mais na primeira versão, pois a vejo até nos filmes americanos sobre os romanos.
Os legionários, militares, quase sempre jovens, e mesmo os jovens civis e os escravos, aparecem com suas tanguinhas reveladoras das vigorosas pernas, enquanto que os senadores, os senhores mais velhos, aparecem com suas elegantes túnicas protegendo-se das humilhações do tempo cruel.
Assim aparece o venerável Catão, o Censor, símbolo da retidão e da incorruptibilidade através da história. Nos filmes e peças desfila sua respeitável túnica escondendo as pernas carentes da massa que estacionou na cintura, impedindo que se torne caricata sua figura austera.
Muitos Catões tem produzido nossa República. Senhores distintos, chamando-se sempre de "excelências", com ternos bem cortados e de bom tecido, gravatas chamativas, bradando da tribuna ou do plenário contra os outros, os adversários políticos, os que sempre estão com a mão na cumbuca -- olha aí outra expressão necessitada de investigação histórica.
Faz nove anos que o governo treme ante o dedo em riste dos nossos Catões, cobertos pelas túnicas azuis dos democratas ou sociais-democratas. Mas, diz outro dito popular, quem aponta o indicador para alguém está sempre a apontar outros três dedos para si mesmo.
Um dos nossos nobres e excelentes Catões, o Senador Demóstenes Torres, foi pego de calças curtas -- ou de túnica curta, ou, ainda, de tanga --, pedindo dinheiro a criminosos. Pior, usando o velho expediente de solicitar a transferência de investigadores inconvenientes.
É, Senador, você foi pego como criança; cuidou tanto das calças alheias que se esqueceu das suas. E os seus amigos, seguramente todos também de calças curtas, o abandonam às feras. Mas, não se deprima, nobre Demóstenes. Todos os homens têm, um dia, que arriar as calças para alguém, ainda que seja no famigerado exame de próstata. O que não pode é ser tão lerdo a ponto de levantar as calças somente depois que o doutor já abriu a porta.
Parece que chegamos mesmo aos tempos em que todo oculto será revelado. Afinal, "apocalipse" não quer dizer "revelação"?
Que se cuidem os demais Catões.

sábado, 3 de março de 2012

HOJE É O HOUAISS; AMANHÃ QUEM SERÁ?

O Ministério Público Federal quer proibir o Dicionário Houaiss, um dos melhores da língua portuguesa, sob alegação de que a obra contém referências "preconceituosas" e "racistas" contra ciganos. Um pouco de luz nesses procuradores e enxergariam a classificação de "pejorativa" na acepção questionada. Acontece que todos os dicionários do mundo procuram registrar todas as acepções dos vocábulos, as consideradas padrão, as mais usadas, as regionais e, também, as pejorativas.
Sob protesto, a editora e a família do Houaiss concordaram com a vergonhosa censura: retiraram do dicionário as acepções pejorativas.
Pensam que os procuradores se deram por satisfeitos sendo vitoriosos nessa que é a mais abjeta das ações, a censura? Não. Querem a censura total. Alegam que o dicionário cometeu crime de racismo, e querem sua morte, sua extinção, sua retirada de circulação. Além disso, querem que a editora pague uma multa milionária pelo "delito".
Já pensaram, termos que viajar para Angola ou Moçambique quando quisermos adquirir um bom dicionário de português, tal como os argentinos sob a ditadura militar tinham que viajar ao Brasil para adquirirem livros sobre psicanálise?
Os militares-censores argentinos, que ontem eram promotores e juízes daquele povo, estão hoje no banco dos réus, execrados pela história.
Será que se eles lerem esta notícia na solidão de suas celas, não poderão pensar, a respeito desses nossos procuradores: "Nós somos vocês amanhã?"