quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TORTURA

Em entrevista à Folha de São Paulo, publicada em 16.11.2011, o advogado Rogério Buratti, atualmente exilado na Itália, afirma que foi torturado por membros do ministério público e da polícia para denunciar o suposto pagamento de cinquenta mil reais ao ministro Palocci, quando este era prefeito de Ribeirão Preto, no bojo da licitação sobre o lixo da cidade. O promotor do caso, Aroldo Costa Filho, negou a acusação, dizendo que o ministério público não usa de tais métodos. O fato é que, logo após a tal denúncia, o advogado, que vinha sendo mantido preso a pedido do promotor, foi solto imediatamente, e o ministro, que vinha sendo engordado como reserva tática na sucessão do Lula caso não houvesse reeleição, caiu em desgraça. Dois anos depois, já em 2007, o advogado registrou em cartório uma declaração desmentindo a "denúncia" que fizera ao promotor e, mais recentemente, escafedeu-se para a Itália -- onde permanece protegido, talvez, por uma cidadania originária, o que faz supor seu sobrenome --, e de onde diz não pretender retornar ao Brasil para novos depoimentos ao promotor, apesar dos insistentes "convites" deste.
Eu tenho bons amigos que se tornaram promotores e confesso que não consigo siquer imaginá-los capazes de um ato de tortura. Assim como, no passado também tive bons amigos militares que negavam com veemência terem torturado alguém, e aos quais eu não conseguia imaginar na posição de torturadores. Ao que parece, a tortura é algo muito relativo, depende do ponto de vista de quem a aplica e de quem a sofre. Talvez o zeloso defensor do estado que coloca um suspeito no pau-de-arara racionaliza julgando-se "apenas um pouco duro com ele", enquanto que o cidadão que se vê ameaçado de enquadramento numa das milhares de leis e portarias municipais, estaduais ou federais que existem (e, como já o dizia Napoleão, tem tanta lei que ninguém escapa de ser enforcado), sente-se torturado. Talvez devêssemos meditar um pouco sobre os limites entre tortura e delação premiada, por exemplo.
Dentre as instituições coletivas como o ministério público, a inquisição católica, os órgãos de inteligência militar e policial das ditaduras, ou uma instituição individual como a monarquia, nós temos os bons e os maus, os honestos e os permissivos, os que abominam a coerção ilegal e os que são capazes de recorrer a métodos reprováveis. Principalmente se considerarmos que a pessoa na posição de investigador é tomada de certa paranóia, certo receio de "estar sendo enganada" pelo suspeito colocado à sua frente.
O que se vê, na prática, é que os bons dessas organizações se beneficiam dos atos dos maus, seja no aproveitamento das informações obtidas, seja no gozo do poder adquirido através do terror disseminado na sociedade pelas ameaças de processos inconvenientes ou torturas dolorosas. O cidadão indefeso que no momento se encontra à mercê do coator reverte, posteriormente, a situação, após uma absolvição judicial ou histórica. Mas, entre o antes e o depois, como dizia o comediante, tem o durante. E o "durante" gera danos irreparáveis à saúde, à economia e mesmo à imagem da vítima. Poderíamos citar vários casos flagrados pela imprensa de utilização, pelos integrantes do ministério público, do poder advindo do terror para a obtenção de vantagens pessoais aos seus membros (Sendo o caso mais gritante aquele, fartamente noticiado, de um procurador geral flagrado ligando para um presidente de assembléia legislativa, ameaçando de processos e devassas caso não votassem o aumento). Deveríamos também, talvez, fazer um estudo comparativo entre as ações impetradas pelo ministério público e seus resultados finais, que poderia nos demonstrar a falta de zelo ou má fé no uso do poder de processar à vontade sob o patrocínio do estado.
Mas, se podemos realmente aprender alguma coisa sobre tudo isso, seria nos perguntando o que têm em comum instituições como o ministério público, a inquisição católica e os doi-codis. Bem, de início podemos observar que tais instituições recebem da sociedade, num dado momento histórico, um poder autônomo, independente, sem controle, apesar de sustentado por essa mesma sociedade. Certamente, o ministério público poderia objetar que seu poder de processar à vontade, se não é controlado pela sociedade ou alguma instituição desta, é controlado pela lei. Mas essa alegação tem sido comum a todos os órgãos citados, além do que a lei será sempre passível de interpretações.
Um outro caráter comum e óbvio é o serem todas essas instituições, humanas, logo, integradas por seres humanos, e nós, humanos, albergamos em nossos corações o bem e o mal, e quase sempre falhamos em evitar que nossas tendências administrem os poderes que transitoriamente detemos.
Daí que, para evitarmos as tentações do autoritarismo, o que tem sido uma causa de sofrimento para tantos seres humanos no decorrer de nossa história, deveríamos nos abster de ficar distribuindo poderes a instituições independentes e sem controle da sociedade; instituições que completam seus quadros por critérios elaborados internamente. Ao contrário, deveríamos adotar como prática que todo poder e toda autoridade sobre os cidadãos só terão legitimidade se delegados pelos próprios cidadãos em sufrágios livres e diretos.

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