sexta-feira, 31 de julho de 2009

A LENDA DA CRIANÇA

As lendas, mais do que verdadeiras mentiras, são mentiras verdadeiras. Mesmo que fosse um jogo de palavras já teria seu valor. É que as lendas, sendo mentirosas em suas vestimentas, construídas de fantasias, dizem, ao final, coisas das profundezas mesmo de nosso ser, que de outra forma não entenderíamos. Li, certa vez (pois eu já estou na idade do ter lido não sei quando em não sei onde), que havia um povo que tinha uma lenda da criança. Segundo essa lenda, Deus teria feito o mundo de uma vez, com todas as criaturas prontas, portanto, nós todos, adultos. Mas, o mundo era muito triste, as pessoas vagavam sem ânimo, todos se esbarravam sem muito interesse em conhecer-se. Até que Deus teve um idéia genial e criou a criança! (Ou seja, claro, introduziu o mecanismo corrente da reprodução). O fato é que as coisas mudaram. Uns serezinhos que, ao lado de quererem que se lhes alimente e limpe, não têm outra preocupação senão em descobrir o mundo. Querem novidades, querem ver e entender tudo o que os cerca, sem exigências de como as coisas são ou deveriam ser. Querem absorver o mundo como ele é. Quem tem pequenos filhos, netos, sobrinhos, ou mesmo se detenha em conviver por algum tempo com um desses seres, verá como eles desnudam nossos preconceitos, destroem nossa rotina e clareiam nossa mente. Estamos sempre preocupados em como deveria ser o mundo, e, portanto, magoados porque não é mais do jeito que era, nem se parece com o que queríamos que fosse. E a criança chega e nos pede apenas que lhe mostremos o mundo como ele é, que a deixemos sentir as coisas, cheirá-las, ouvi-las, pois mais para a frente, num depois, elas saberão como mudá-las. Assim, a lenda nos diz que Deus, quando criou a criança, inventou o futuro e a esperança, e que seremos felizes se, nesses assuntos, soubermos ser crianças pela vida afora.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

DESMORALIZAÇÂO DO RECURSO DA PRISÃO

Ou desmoralização da autoridade confererida pela sociedade ao juiz.
Eu não consigo acreditar que ouço certas notícias. Uma paciente é internada em hospital particular, e este sugere à família transferência para a rede pública. Não há vagas. A família recorre à justiça, que determina a transferência da paciente em duas horas(sic!). A médica encarregada da administração dos leitos informa que não há leitos disponíveis. O juiz manda prender a médica!
Ela e detida, fica três horas e meia na delegacia prestando depoimento, é exposta na imprensa, e, possivelmente, será indiciada, tendo que destinar parte de seus rendimentos, sacrificando quem sabe a educação de seus filhos, para honorários de advogados que a defenderão dessa lambança do juiz.
Agora, eu pergunto: será que se a comunidade elegesse para juiz o padeiro da minha rua, o verdureiro da quitanda, ou o serralheiro da esquina (tal como acontecia no "velho oeste"), algum desses cidadãos tomaria uma decisão tão pouco inteligente e tão pouco sensível como esta?
Por isso eu repito: diretas já, para juiz e promotor!
(P.S. A notícia saiu no Jornal Nacional)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

OS RISCOS DA IMPORTAÇÃO

Claro que é muito saudável a permanente troca de mercadorias e idéias entre os povos. Assim como a expectativa de que, agindo com total liberdade na busca de atender seus interesses particulares, cada um acaba contribuindo para o bem estar coletivo. Mas, envolve risco.
Veja-se, por exemplo, o acontecido quando alguém, na legítima aspiração de enriquecer mas infenso a criar um caminho próprio seja por questões culturais ou pessoais, resolveu importar pneus usados. Quase viramos escoadouro mundial desse descarte incômodo.
Mais recentemente, outro brasileiro resolveu importar lixo para reciclagem. Quase viramos o aterro sanitário da Inglaterra.
Contudo, sem dúvida, o que envolve maior riscos é a importação de bandeiras. Na intenção (também legítima, claro) de crescer politicamente, candidatar-se e angariar votos, mas não possuindo criatividade própria para suscitar uma causa tupiniquim, correm ao mercado internacional de idéias políticas em busca de uma bandeira. E o valor nunca é dado ao que a bandeira agasalha em termos de conteúdo, e, sim, ao seu charme mobilizador.
Importa-se, dos Estados Unidos -- um país diferente do nosso na política, na economia, na educação e na questão racial --, a tal "discriminação positiva" e as cotas, e ganharemos como subproduto um apartheid, seja com qual sinal matemático for.
Na década de 70 chegam ao poder na Itália os partidos de esquerda portando, entre outras, a bandeira da luta antimanicomial. Dramáticos como são os italianos, saíram a derrubar a marretas os muros dos hospícios, libertando alguns, mas lançando outros ao abandono das ruas ou à desorganização de famílias. Na década de 80, toda a sociedade recuou e restaurou a instituição. Evidentemente corrigida nas piores falhas, o que seria o correto desde o começo. E, finalmente, na década de 90 as esquerdas brasileiras, carentes de causas ou de sensibilidade para descobri-las em nossas necessidades, importaram essa bandeira rota e abandonada pelas esquerdas italianas.
O mais trágico nessas causas importadas é a carência de senso crítico que se desenvolveria naturalmente se a idéia fosse gestada localmente ou decorresse de necessidades nacionais. Sem essa massa crítica, elas são assimiladas apaixonada e irracionalmente pelos que se julgam por elas beneficiados, e qualquer um que tente argumentar em sentido contrário torna-se um potencial inimigo. Assim, quem argumenta contra as cotas é acusado de racista. Quem, por labutar na área, sabe que existem muitas pessoas necessitadas de períodos de internação -- seja para defendê-la dos outros, os outros dela, ou ela de si mesma; ou, ainda, por causa da mania de nossos políticos de começarem as reformas pelo telhado, criando leis que obrigam coisas para as quais ainda não foram criadas as condições materiais --, e argumenta contra o delenda internamento, é acusado de estar defendendo seus próprios interesses. Aliás, em muitos casos, se fossem antes criadas as condições materiais, a lei se tornaria desnecessária, e com ela a bandeira, e com esta os votos.
Talvez mais trágico ainda do que isso tudo, seja a presteza com que os poderes do Estado adotam tais bandeiras importadas, de olho na diminuição das despesas públicas, o que permite sobrar numerário que garanta a manutenção do maior, mais caro e mais inoperante contingente de servidores públicos que a história humana jamais viu. Assim, ao invés de investir pesado na educação de base, cria-se uma lei de cotas como paliativo. Ao invés de melhorar a saúde pública e corrigir as gritantes aberrações hospitalares, extingue-se os hospitais psiquiátricos. Em lugar de uma política eficiente na proteção da velhice, joga-se o problema para o contribuinte, obrigando um cidadão a conviver com quem nada fez durante a vida para lhe conquistar o afeto ou o respeito, exigindo-lhe uma responsabilidade que seria meritória se assumida voluntariamente, mas torna-se uma violência à liberdade individual quando imposta.
Enfim, assim como há uma alfândega que protege o erário da sonegação fiscal, deveríamos desenvolver uma barreira crítica que nos protegesse da importação de idéias e soluções.

domingo, 12 de julho de 2009

LEIS CEGAS (OU BURRAS?)

Tem que ser assim?
Bairros são dominados por traficantes que exercem seu trabalho durante anos, aterrorizando moradores, com incômodo mínimo pela polícia.
Casas são invadidas por homens armados e, mesmo com telefonemas de vizinhos, a polícia comparece apenas várias horas depois, com as indefectíveis pranchetinhas de anotar a ocorrência.
Carros e residências são roubadas e não acontece a mínima investigação, mesmo havendo sempre suspeitos citados por moradores, vizinhos ou seguranças.
Por outro lado...
O caso da menina Rita, que caiu do quinto andar, por flagrante fatalidade (a família estava numa festa julina, a pequena dormiu, a mãe levou-a à cama e voltou prá buscar a filha mais velha, no pátio, nesse lapso de tempo, a criança acordou e debruçou-se na janela), o delegado apressou-se em prender em flagrante os pais da criança, indiferente à sua dor, à dor da filha que permanece sem saber o que fazer, e o atropelo dos tios que não sabem nem mesmo como sepultar a vítima.
O caso dos dois jovens estudantes da faculdade de São Carlos que pesquisavam as causas do aquecimento global, retirando lama do fundo de uma lagoa no Mato Grosso, com as devidas autorizações do Ibama, mas, como tinham com eles, num projeto de intercâmbio, três estudantes americanos, para os quais julgavam não ser necessária a licença, pois já a tinham para aquele trabalho, e que foram presos em flagrante (os cinco) por um delegado da polícia federal e indiciados.
Um dos caso é, flagrantemente, uma fatalidade.
O outro caso é, flagrantemente, um engano, ou má interpretação da burocracia.
Num dos casos, a lei e a ordem acabam de destroçar uma família já enlutada.
Noutro caso, a lei e a ordem contribuem para inibir a pesquisa já tão debilitada em nosso país.
Mas, os primeiros casos citados são flagrantes desrespeitos à vida, à propriedade, ao direito de locomoção, das pessoas. No entanto, é tão difícil "dar o flagrante", alega a polícia quando é cobrada.
Por que não o mesmo empenho da lei, da justiça e da polícia em punir os crimes bárbaros, quanto em punir enganos, erros, esquecimentos?...
Que fizemos de nosso país?
Em que escala baseamos nossos valores?

Continuemos, inertes, observando, e vamos resvalando todos, sem exceção, mesmo os representantes dos podres poderes, para o fundo do abismo onde nos espera a submissão ao crime organizado...